O senhor é meu pastor... Nada me faltará?

Eis-me aqui novamente, após um breve jejum de posts.

Outro dia fui a um velório de uma mulher de 32 anos, recém-casada, vitimada por um trombo, que causou-lhe um AVC, que, após cirurgia intra-craniana para aliviar a pressão do cérebro, desceu para o tronco encefálico, causando-lhe um coma. Dias depois, faleceu de parada cardio-respiratória. Uma moça cheia de planos, saudável, enfim, cheia de vida. Já diz a frase que para morrer, basta estar vivo.

Mas o objetivo deste post não é filosofar sobre a morte. É sobre esse bendito salmo 23, repetido a exaustão em adesivos de carros populares de crentes e nas igrejas cristãs. Mas o que ele significa, de fato?

Essa reflexão me chamou a atenção no velório da referida moça quando ouvi de uma religiosa, de mãos dadas com a mãe da falecida "o senhor é meu pastor, nada me faltará". Porra, deus! Como assim? Como um versículo desse pode consolar uma mãe que acabou de perder a filha? Isso sem falar que é uma puta sacanagem pais enterrarem os filhos. Só mesmo o acaso pra explicar isso, que não pode ter nada de divino e maravilhoso.

Mas, voltando ao versículo, se alguma divindade me pastoreia, se tenho a quem recorrer agora, neste momento, se a minha submissão para com ele é presente, por que a eterna promessa é sempre futura? Pôxa, eu quero que nada me falte agora, pois é agora que sou pastoreado.

É sabido que nunca estamos satisfeitos. Sempre queremos mais. Sempre vai ter uma traquinagem eletrônica mais moderna. Sempre desejaremos algo. Aquele que ainda não tem algo que deseja, por mais baratinho que seja, que atire a primeira pedra. Mas aposto que tudo que essa mãe mais queria era ter a filha de volta.

Acho que o versículo seria mais honesto se fosse:
- O senhor será meu pastor, e aí nada me faltará.
Ou:
- O senhor é o meu pastor, nada me falta.

O autor
É essa eterna promessa de dias melhores que faz com que os líderes religiosos fiquem igual a políticos, sempre só na promessa. E o pior: fazem isso em nome de deus, respaldados por um versículo bíblico atribuído ao Rei Davi, um judeu, Rei de Israel pelo menos 1000aC. Aquele mesmo que dizem que matou um gigante chamado Golias e que era detentor da tal Arca da Aliança (Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida).

O cara transformou um vasto território de tribos isoladas num império judeu, conquistando terras a base da força. Com tanta riqueza, despertou inveja de filhos e familiares, que brigaram entre si por sua riqueza (quanta desgraça!). Isso numa época em que os reis eram tidos como "ungido do senhor" por israelitas e judeus e em que deus mandava reis (seus "ungidos") destruir povos que fossem contra o regime imperialista sem a menor misericórdia.

Não assisti a um único episódio do seriado da Record. O que escrevi aqui sobre David foi baseado na bíblia e na Wikipedia.

Depois de muitas tretas, o cara fugiu pro deserto e montou uma milícia armada, formada por bandidos e assassinos da pior espécie, bem à moda Lampião. Quando o rei Saul morreu (não sei de que ou por quem), David retomou o poder (diz a bíblia, por ordens de papai do céu).

O problema é que muitos salmos são historicamente datados após a morte de Davi, de modo que é impossível atribuir o que foi escrito por ele do que foi escrito por qualquer outra pessoa que tivesse transcrito a mão alguns de seus salmos.

Bom, se deus existe e se ele é seu pastor, queira que nada lhe falte agora! Afinal, são anos de devoção e submissão por uma eterna promessa que pode nunca se concretizar. Quem garante que você não vai ter um AVC, um trombo, um acidente de trânsito, uma doença incurável ou qualquer coisa que lhe impeça de viver mais?

A não ser, claro, que o referido salmo esteja falando que nada lhe faltará na outra vida, do lado de lá, que ninguém sabe ao certo como é. Mas, mesmo se for essa a interpretação, ela bate de frente com o "muitos serão chamados, mas poucos serão escolhidos". Isso quer dizer que, mesmo o senhor sendo seu pastor, alguma coisa vai acabar lhe faltando, e pode ser justamente a tão sonhada salvação.